domingo, 18 de dezembro de 2016

Cora Coralina, Patrimônio da Literatura Brasileira



Diz Carlos Drummond de Andrade: “Dá alegria na gente saber que existe bem no coração do Brasil um ser chamado Cora Coralina.

Para quem não sabe Ana Lins dos Guimarães Peixoto Bretas, a “Aninha” é Cora Coralina, esse patrimônio que o Estado de Goiás se orgulha, essa incrível mulher que já mereceu tantas análises como esta do grande crítico Oswaldino Marques, pelo Suplemento Literário de “O Estado de São Paulo”, em 11.7.70: “Ao lê-la, pensamos não raro em Guimarães Rosa transposto para a poesia em Goiás. É extraordinária a maneira como observa, assimila o tempo e a geografia desse perdido paraíso dos trópicos, reofertados a nós com sua autenticidade inaugural. Os tons elegianos e odinos alteram-se nos instrumentos de Cora Coralina, pois estamos na presença não d uma restauradora de crepúsculos, mas também, d uma animadora, d uma celebradora de adventos, de fundamentos, URBS e de nova forma de convívio... A poetisa saiu do seu casulo, eleva-se com a polifonia da construção de uma cidade e entoa seu hino de certeza.”

Ouçamo-la:

“Goiás, minha cidade... / Eu sou aquela amorosa de tuas ruas estreitas, curtas, / indecisas, entretanto, / uma das outras. / Eu sou aquela menina feia da ponte da Lapa. / Eu sou Aninha. – Eu sou aquela mulher que ficou velha esquecida/ nos teus larguinhos e nos teus becos tristes. /Cantando estórias / fazendo advinhação/ cantando eu futuro. Eu vivo nos teus muros / verdes de advencas / onde se debruça um amigo jasmineiro / cheiroso / na ruinha pobre e suja.”

Cora Coralina é realmente alguém que vive em estado de graça com a poesia. É uma jovem de 95 anos de idade que escreve há 80 anos e só há duas décadas saiu do anonimato, porque antes, no inicio di século, somente publicava os seus trabalhos nos jornais de sua província os quais escandalizavam com sua malicia e irreverência.

Cora Coralina já publicou “Poemas dos Becos de Goiás e Histórias Mais”, já na 3 ª edição pela José Olympio “Meu livro de Cordel e Vintém de Cobre” E é Claudir Franciatto que para o “Jornal Estado de São Paulo, colheu der Cora Coralina essa confissão:” O presente incomparavelmente melhor que o passado, assim como também é o futuro em relação ao presente. Os velhos não gostam de mim – e eu também não gosto deles -, e por isso quem me lê e meu ouve são os jovens. Mas eles sempre entram em minha casa com uma grande carga negativa na cabeça”.

Ouçamo-la finalmente:

“Eu sou estas casas/encostadas/cochichando uma com as outras. Eu sou a ramada/ dessas árvores/ sem nome sem valia / sem flores e sem frutos / de que gostam/ a gente cansada e os pássaros vadios./ Eu sou o caule/ dessas trepadeiras sem classe, / nascidas nas frinchas das pedras, / bravias, renitentes, / indomáveis, / cortadas, maltratadas, /pisadas / renascendo. Eu sou a dureza desses morros/ revestidos, / enflorados, /lascados a machado,/ lanhados, / lacerados./ Queimados pelo fogo, / pastados/calcinados/ renascidos./ Minha vida,/ meus sentidos,/ minha estética, /todas as vibrações/ de minha sensibilidade de mulher/tem aqui suas raízes. Eu sou a menina feia da Ponte da Lapa. Eu sou Aninha.

Esta é Cora Coralina a quem tive agora – há poucos dias – o enorme prazer de reencontrá-la nos fundos do corredor de sua velha casa [hoje Museu] às margens do Rio Vermelho, em Goiás Velho [antiga Vila Boa] dos tempos da capitania e antiga capital de Goiás, província desbravada, por Anhanguera, que me recebeu mais uma vez com uma lucidez de anjo e me fez guardar sua sabedoria, além do pedaço do doce de goiaba feito por ela em tacho de cobre e do cafezinho... “Estou vivendo o melhor tempo da minha vida, porque sempre tive a coragem de dizer minhas verdades.”
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Fernando Braga, in “Jornal Alto Madeira”, Porto Velho, Rondônia, 21 de fevereiro de 1984, para “Toda Prosa”, tomo II, de “Travessia” [memórias de uma aprendiz de poeta e outras mentiras], em fase de digitação.




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